Qual o Sentido do Remake?
Nildo Viana*
O Remake é considerado geralmente uma nova versão de um filme já feito. Também se define um remake como um filme que reproduz outro, alguns anos depois do original, com novo diretor e atores. Aportuguesando a palavra, podemos dizer que remake é uma refilmagem, isto é, significa filmar de novo um filme, refazê-lo. Mas esta definição prévia não resolve todos os problemas. Entre os problemas que se colocam está a falta de clareza na definição, o que gera outros problemas, tal como entender se determinado filme é um remake, ou refilmagem, ou uma nova produção, bem como o motivo da refilmagem. Além disso, outra questão derivada é como avaliar um remake, se foi bem feito ou não, que depende da definição anterior.
A definição de remake mais adequada não é de uma “nova versão”, pois a palavra “versão” traz justamente a idéia de variação e ponto de vista, o que significa mudança, alteração, ao contrário da permanência, elemento básico de um remake. Assim, a idéia de que o remake é uma refilmagem de um filme já feito é a ideal, mas fica faltando algo, que é o que, do nosso ponto de vista, distingue um remake bem feito de um mal feito. Não se trata de apenas fazer um novo filme com base em outro filme mudando apenas o diretor e os atores, pois isto não teria muito sentido. Neste caso, seria uma cópia mais do que uma refilmagem. No entanto, se houver muitas mudanças, então não será apenas um remake, mas uma nova versão, um novo filme, no qual o primeiro serve (ou nem sequer serve) como inspiração.
A solução deste problema está em considerar o remake como uma refilmagem de um filme já feito que se caracteriza por produzir uma mudança formal e uma reprodução do conteúdo, sem grandes alterações. Assim, os filmes que tomam temáticas de outros filmes anteriores mas realizam grandes mudanças de conteúdo não são refilmagens, ou remakes. Mas qualquer refilmagem apresenta mudanças formais em relação ao filme anterior (além do diretor e dos atores), pois são provocadas seja pelo desenvolvimento tecnológico, pela interpretação dos autores, etc., isto é, com o menos de intencionalidade possível dos produtores e do diretor. Este é um caso de remake, mas mal feito, pois o bom remake é aquele que se justifica pela mudança formal intencional que justifica a refilmagem.
Assim fica mais fácil responder a uma outra questão: qual a razão para se fazer um remake de um filme? Tendo em vista que existe o original, para quê fazer uma refilmagem? Sem dúvida, esta pergunta pode comportar dois tipos de respostas: a primeira é a da análise do filme como mercadoria e a segunda do filme como obra de arte.
O filme como mercadoria é assim visto pela indústria cinematográfica, que produz filmes para adquirir lucro. Do ponto de vista da indústria cinematográfica, um filme deve ser produzido quando ele é lucrativo. Da mesma forma, a razão de se produzir um remake é a mesma, isto é, um remake deve ser feito se for lucrativo. Porém, isto significa que a ênfase não é na mudança formal intencional e sim na produção de mais um filme que dará bilheteria e renderá lucro. Esta é a fonte dos remakes de baixa qualidade e do excesso deles. Recentemente tivemos inúmeras reproduções (remakes ou novas versões), tal como Titanic, Solaris, King Kong (a primeira versão da “série” é de 1933), Guerra dos Mundos, A Profecia, Sob o Domínio do Mal e o recém-lançado Poseidon (baseado em O Destino de Poseidon). Juntando a falta de criatividade com a possibilidade de lucratividade, temos o festival de remakes e novas versões, principalmente oriundas de Holywood.
O filme como obra de arte é diferente, pois sua justificativa se encontra na inovação que o diretor e demais participantes do processo de produção realizam no filme original, enriquecendo-o e justificando sua produção. O objetivo não é apenas o lucro mas a realização de um trabalho artístico bem feito. A primeira justificativa, a da indústria cinematográfica, é meramente mercantil e se sua produção tem apenas este compromisso, temos diversas refilmagens de má qualidade e a segunda, buscando a inovação formal, os remakes de boa qualidade.
Existiram filmes que possuíram vários remakes. Um dos casos mais famosos é o de Drácula. Claro que muitos filmes antecederam a primeira produção de Drácula, de 1931, tal como o filme húngaro A Morte de Drácula, de 1921, mas que tem outra temática e apenas o nome é semelhante. O antecedente mais importante é, sem dúvida, Nosferatu, O Vampiro, filme alemão de F. Murnau, da época de ouro do expressionismo alemão com os seus filmes mudos. A versão alemã é inspirada no romance de Bram Stoker, embora não tenha reconhecido financeiramente os direitos autorais e daí os nomes diferentes, inclusive de Drácula, que é, neste filme, o Conde Orkoff. O primeiro filme, apesar das semelhanças, é o de Tod Browning, de 1931, e estrelando o ator que ficaria sendo um dos mais famosos astros dos filmes de terror, o húngaro Bela Lugosi. Este filme norte-americano não é um remake de Nosferatu, por vários motivos. As semelhanças são mais derivadas do romance que, direta ou indiretamente, inspirou ambos, mas existem diferenças de conteúdo, além das enormes diferenças formais, a começar pela diferença natural entre cinema mudo e cinema sonoro, o estilo norte-americano e o expressionista alemão, entre outras. Além disso, a versão de Tod Browning se inspira mais na peça teatral da época do que no romance, devido aos custos, pois com base no romance a complexidade da história provocaria muitos gastos adicionais.
Porém, simultaneamente foi feito um “remake”, que foi a versão espanhola deste filme, produzida simultaneamente pela produtora Universal Pictures, que alguns consideram melhor do que a versão americana, embora tenham sido filmados juntos, utilizados os mesmos sets de filmagem, e dirigido por George Melhord, para o público de língua espanhola e tendo como ator principal Carlos Villar. Mas fizeram remakes deste filme, tal como a versão de 1979, de Frank Langella. Claro que as sátiras e continuações, tal como Drácula: Morto Mas Feliz (1995) de Mel Brooks e Drácula- O Príncipe das Trevas (1965) de Terence Fisher, que aborda a ressurreição de Drácula, não são remakes. Também o Drácula 2000, de Patrick Lussier, no qual Drácula é Judas, o traidor de Jesus Cristo (...) não é um remake, já que muda totalmente o conteúdo. Já o filme de F. F. Coppola é bastante semelhante ao de Tod Browning, mas se baseia no romance e por isso é mais complexo, possui mais personagens, oferecendo uma trama bem mais complexa.
Outros temas de filmes de terror teriam futuro semelhante, tal como Frankenstein e Lobisomem. Nos limitaremos ao caso de Frankenstein (que é o nome do cientista que gera a criatura que passou a ser conhecida, depois do filme e devido ao título fornecido a ele, também como Frankenstein). A primeira versão de Frankenstein foi a de James Whale, de 1931. Na pele de Frankenstein outro ator famoso por participação em filmes de terror, Boris Karloff. Esta primeira versão, baseada no romance de Mary Shelley, iria também se inspirar em dois filmes expressionistas alemães: O Golem, de Paul Wegener, e O Gabinete do Doutor Caligari, de Murnau. No entanto, a versão de Terence Fisher para A Maldição de Frankenstein de 1957, não é uma refilmagem e sim uma versão diferente, já que o final é diferente, o doutor Victor Frankenstein possui uma personalidade muito mais maligna e a narração deste cientista feita na prisão, bem como sua ida para a guilhotina, é um tanto quanto estranha em relação ao original. Também um filme com o mesmo nome, tal como Frankenstein, de Martin Scorsese, não é um remake, apesar do título, pois se trata, na verdade, do retorno do Doutor Victor Frankenstein e de Deucalião (o Frankenstein-Criatura) duzentos anos depois. Outro livro produziu versões cinematográficas, tal como o romance de Robert Stevenson, que gerou o filme O Médico e o Monstro, de 1932, dirigido por Rouben Mamoulin, e o seu remake em 1941, dirigido por Robert Louis. Este realmente foi um remake, mas um tanto quanto pobre, já que não houve nenhuma grande inovação formal que justificasse a sua realização.
Mas não se faz remakes e novas versões apenas de filmes de terror. Outro exemplo de remake é O Processo, baseado no livro de Franz Kafka, e dirigido pela primeira vez pelo famoso cineasta Orson Welles, em 1962, e refilmado em 1993 e dirigido por David Hugh Jones, embora tenha tornado o filme mais movimentado, não realizou grandes inovações. Já o filme de Jean Renoir, considerado por alguns como um dos 10 melhores filmes de todos os tempos, A Regra do Jogo, expressão do realismo poético francês e com forte crítica social, foi refilmado por Alan Bridges, com o título O Declínio dos Anos Dourados. Segundo alguns, o filme Assassinato em Gosford Park, de Robert Altman, de 2001, é um “remake disfarçado” deste filme, mas, no fundo, só pode ser considerada uma nova versão, já que as diferenças são consideráveis, pois a crítica social é amenizada e o assassinato, que em A Regra do Jogo ocorre no final e sem possuir desdobramentos maiores, se torna o elemento central nesta versão, transformando um filme de crítica social em um filme policial. Alfred Hitchcock, por sua vez, fez remake de seu próprio filme, O Homem que Sabia Demais, filmado em 1934 e refilmado em 1956, embora não tenha sido o único, pois Tod Browning teria feito o mesmo com seu filme Fora da Lei, filmado originalmente em 1922 e refilmado em 1930. Diversos outros remakes ou tentativas de remakes, bem como “falsos remakes” poderiam ser citados.
O que interessa, no entanto, é compreender que a maior parte dos remakes não são produtos de realização de inovação formal e, por isso, não são de boa qualidade e nem possuem uma justificativa convincente. Na verdade, a grande maioria dos remakes são produtos da indústria cinematográfica, com sua ânsia de lucro, o que traz uma série de refilmagens sem grande qualidade e interesse. Quanto se trata de bons filmes refilmados, pelo menos ela contribui com a facilidade de acesso, o que é algo também raro, já que os filmes escolhidos não são os de melhor qualidade e sim os mais lucrativos.
* Nildo Viana é Professor da UEG – Universidade Estadual de Goiás; Doutor em Sociologia/UnB; autor de diversos livros, entre os quais Heróis e Super-Heróis no Mundo dos Quadrinhos (Rio de Janeiro, Achiamé, 2005); Introdução à Sociologia (Belo Horizonte, Autêntica, 2006); Estado, Democracia e Cidadania (Achiamé, 2003); A Dinâmica da Violência Juvenil (Rio de Janeiro, Booklink, 2004) e O Que São Partidos Políticos (Goiânia, Edições Germinal, 2003).
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Artigo Publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. Qual o Sentido do Remake?. Jornal Opção, 19 jul. 2006.
VIANA, Nildo. Qual o Sentido do Remake?. Jornal Opção, 19 jul. 2006.
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