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Informe e Crítica

21 de jan. de 2011

Os Conflitos de Valores em "El Dia que me Quieras"

Os Conflitos de Valores em "El Dia que me Quieras"

Nildo Viana

O Filme El Dia que me Quieras (John Reinhardt, Espanha, 1935) é uma produção fílmica singela, possuindo um roteiro simples e sem grande profundidade seja na composição dos personagens ou das cenas, narrando duas histórias de amor, a do personagem central e a da filha dele. A trama é fraca e os atores não conseguem fazer grandes interpretações. A cópia em DVD disponível (Classicline) é de baixa qualidade, tal como se pode ver no trecho abaixo disponível no youtube, e que se nota na sinopse marcada por equívocos (afirma que o pai de Júlio Arguilles antepõe os sentimentos ao dinheiro, sendo que é o contrário, e que este roubaria a paróquia de uma igreja, o que não ocorre no filme, pois ele tentar roubar é o próprio pai).

O filme narra a história de Júlio Argüilles, interpretado pelo famoso cantor Carlos Gardel, filho de um empresário argentino rico e de consciência coisificada, onde apenas o dinheiro e os negócios possuem importância, e que tem duas paixões: a música e Margaritta, uma jovem bailarina. O pai o pressiona para se casar com a filha de outro empresário para conseguir o controle acionário de uma empresa e o filho se rebela querendo casar com uma mulher de "outra classe", o que faz os dois cortarem o relacionamento.

Após o casamento, Júlio passa por dificuldades financeiras e Margaritta fica doente, sendo que precisaria ser hospitalizada para ter chance de sobreviver, mas faltava dinheiro para tal. Júlio tenta em vão contactar com o pai, que não atende suas cartas e telefonemas. Ele resolver roubar o cofre do próprio pai. Devido a um barulho de um vaso derrubado, o pai e uma visita entram no quarto e o primeiro dá um tiro que não acerta o alvo e ao ver que é seu filho para de atirar. Porém, já é tarde, Margaritta está morta quando Júlio volta para casa, deixando-lhe uma filha, Marga. Depois disso ele passa a viajar pelo mundo e faz sucesso ao lado da filha como cantor de tango e ator. Depois de vários anos, nos EUA, ela conhece um rapaz, filho de importante burocrata empresarial, que terá que voltar para a Argentina e deixá-la. Nesse contexto, Júlio recebe carta sobre o falecimento do pai, que o deixou como herdeiro universal, motivo pelo qual seria urgente sua volta ao país natal.



Assim, pai e filha voltam para a Argentina e se encontram com o rapaz e seu pai no mesmo navio. O burocrata empresarial mostra preconceito em relação aos dois artistas e lembra que Júlio era o ladrão que viu na casa de seu patrão. Em determinado momento, revela para todos que lembrou e por isso desaprovava o casamento de seu filho e Marga. Júlio, por sua vez, revela que é filho do empresário falecido, o que faz o burocrata empresarial mudar totalmente e passar a aprovar o casamento. O burocrata afirma que eles poderão fazer grandes coisas juntos. Júlio questiona: "comigo? um ladrão?", e o burocrata responde: "aquilo não foi um roubo, foi um empréstimo".





Os seres humanos são seres valorativos (Viana, 2007) e por isso não é possível uma obra artística, tal como um filme, que não tenha valores expressos neles. Nesse sentido, é interessantes questionar quais valores são expressos neste filme? O pai de Júlio expressa os valores burgueses, o dinheiro e o  poder como valores fundamentais. Júlio e Margarita expressam valores dominantes das classes auxiliares, o amor romântico e a arte (a música, mais especificamente), ligados a determinados setores e que entram em contradição, moderada, com os valores burgueses. Júlio reconhece que possui uma divergência com seu pertencimento de classe. 

Assim, há uma crítica dos valores burgueses, pois o filme, através de sua mensagem produzida por sua equipe de produção, composta por indivíduos provenientes das classes auxiliares com senso mais humanista, realiza uma crítica moderada dos valores burgueses. Daí uma oposição entre a frieza da burguesia, tal como quando Júlio narra para Margarita a falta de carinho em sua família, embora sempre o pai estivesse com um talão de cheque, e o amor vivido pelas classes auxiliares, principalmente o amor romântico (Júlio e Margarita, Daniel e Marga), mas também a amizade (Júlio e seus amigos "cantores") e paterno (Júlio e sua filha).

Assim, o conflito entre Júlio e pai é um conflito de valores, que, obviamente envolve sentimentos e concepções, e o mesmo ocorre no conflito entre Júlio e o pai de Daniel, que, nesse caso, tem solução satisfatória para garantir o happy end graças ao poder financeiro adquirido por Júlio (sem esse, a história se repetiria provavelmente).

Desta forma, o filme mostra um conflito de valores que expressam grupos sociais distintos e que não ultrapassa o nível da consciência burguesa, embora em sua tendência mais humanista e por isso pode emocionar muitas pessoas, já que resgata sentimentos autênticos silenciados pela sociedade mercantil-burocrática, ou seja, capitalista (Viana, 2008). Assim, uma consciência limitada gera uma crítica limitada e essas limitações são as das condições de classe de quem a faz, que não consegue superá-la no plano dos valores, concepções e sentimentos.

Assista ao filme:



Referências:

VIANA, Nildo. Os Valores na sociedade Moderna. Brasília, Thesaurus, 2007.
VIANA, Nildo. Universo Psíquico e Reprodução do Capital. São Paulo, Escuta, 2008.

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