Nildo Viana
Um filme axionômico é A
Nós a Liberdade, de René Clair (França, 1931). Claro que a percepção disto
é mais fácil assistindo ao filme. O filme mostra uma perspectiva crítica em
relação aos valores dominantes, o que pressupõe outros valores. Ao criticar o dinheiro,
trabalho alienado, o amor romântico, tal como no filme, há uma refutação de
determinados valores e uma apresentação de outros, tal como a amizade, a
liberdade (o trabalho não como alienação e sim como objetivação), o amor sexual
como parte e não como objetivo da vida.
Mas além desta crítica e dos valores antagônicos implícitos
nela, o filme apresenta explicitamente outros valores, antagônicos aos valores
dominantes. O filme ressalta a amizade como valor (acima dos interesses
financeiros), tal como se pode observar no reencontro entre os dois amigos
fugitivos da prisão. A cena apresenta o ex-prisioneiro que se tornou um
capitalista oferecendo dinheiro ao outro ex-presidiário. Este último recusa o
dinheiro e um acidente que provoca um ferimento gera uma situação que faz com
que o capitalista realize um ato de solidariedade. Isto permite o rompimento
com a desconfiança e a retomada da amizade. A canção principal do filme (dos
prisioneiros que se libertam) manifesta diversos valores e desvalores, tal como
se pode notar:
Na vida, a liberdade é tudo o
que conta
Mas o homem inventou a prisão,
Códigos e leis, fazer e não
fazer.
Trabalho, escritórios e casas
também.
Você não concorda...
O que a vida pode ser?
Meu velho amigo, a vida é
incrível
Quando se está livre para ser
você mesmo.
Então vamos, vamos nos
libertar
Ar fresco é bom para a saúde.
Em qualquer lugar, se tiver
uma chance,
Em qualquer lugar, a vida é
uma melodia.
Em qualquer lugar, é vinho e
romance
Então aqui estamos, nós dois e
a liberdade!
Você nunca deveria ter pensado
em casamento
Quando se nasceu para viver
viajando
Enquanto espera que a idade da
sabedoria o possa trazer
Pense no amor como um mero
episódio
É o nosso destino
Velho companheiro
Meu velho amigo, a terra é
redonda.
Haverá mulheres onde for
Quando finalmente chegarmos ao
fim
Será a hora de ir mais devagar
Em qualquer lugar, se você
tiver a chance
Em qualquer lugar, a vida é
uma melodia
Em qualquer lugar, é vinho e
romance
Então aqui estamos, nós e a
liberdade!
Trecho do filme com a "canção da liberdade":
Esta canção apresenta determinados desvalores, que trazem, em
si, determinados valores implícitos. Os valores explícitos são os da liberdade
(“a liberdade é tudo o que conta”), a vida (“a vida é incrível”), a
autenticidade (a vida é incrível “quando se está livre para ser você mesmo”), a
melodia (se a vida é um valor e depois se diz que “a vida é melodia”, então
esta última também é um valor), o romance, etc. No entanto, também apresenta
desvalores, que implicitamente carregam valores. Os desvalores são determinadas
invenções dos seres humanos: a prisão, códigos, leis, casamento. Por detrás de
todos estes desvalores há um valor implícito, o da liberdade. Assim, o filme A Nós a Liberdade é axionômico.
(TRECHO DO LIVRO: VIANA, Nildo. Os Valores na Sociedade Moderna. Brasília: Thesaurus, 2007).
Assista o filme completo:
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