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Informe e Crítica

1 de fev. de 2018

Capitalismo e Cinema


CAPITALISMO E CINEMA


Nildo Viana*

Resumo: o presente artigo discute a relação entre capitalismo e cinema, sob suas diversas formas. O primeiro aspecto analisado é a produção capitalista do cinema, visando analisar a constituição social dos filmes e seu envolvimento com a sociedade capitalista e, em especial, com o capital cinematográfico. O segundo aspecto analisado é a reprodução fílmica do capitalismo, ou seja, como que os filmes reproduzem as relações sociais da sociedade capitalista em sua produção ficcional. O terceiro aspecto é a forma naturalizante dessa reprodução, expondo o processo de obras ficcionais que naturalizam a sociedade capitalista. Por último, há uma análise de filmes que apresentam uma versão ficcional crítica do capitalismo.
Palavras-Chave: Capitalismo, Capital Cinematográfico, Cinema, Reprodução Fílmica, Crítica.

Abstract: This article discusses the relationship between capitalism and cinema, in its various forms. The first aspect analyzed is the capitalist production of film, aiming to analyze the social constitution of the films and her involvement with capitalist society and, in particular, the film capital. The second aspect analyzed is the filmic reproduction of capitalism, ie, as the films reproduce the social relations of capitalist society in its fictional production. The third aspect is the naturalizing such reproduction, exposing the process of fictional works that naturalize capitalist society. Finally, there is an analysis of films that feature a fictional version of the critique of capitalism.
Keywords: Capitalism, Film Capital, Movie, Filmic Reproduction, critical.

O presente artigo busca analisar a relação entre cinema e capitalismo. A relação entre cinema e capitalismo pode ser observada por vários aspectos. O primeiro aspecto seria a percepção de que o cinema é um produto do capitalismo e isto está ligado ao processo de discussão sobre os meios oligopolistas de comunicação, tal como é destacado por alguns autores[1]. Tendo em vista que um filme é um produto social e histórico, e ainda coletivo, pois ao contrário de outras formas de arte raramente é produzido individualmente, sendo geralmente produzido por uma equipe, então é fundamental entender o seu processo de produção no interior da sociedade capitalista.
Outro aspecto é como o capitalismo é reproduzido no cinema, ou seja, como os filmes reproduzem as relações sociais do capitalismo, em aspectos mais particulares ou mais amplos. A reprodução fílmica do capitalismo é algo natural, pois aqueles que produzem os filmes vivem nesta sociedade e tematizam questões e fenômenos dessa sociedade, e, mesmo quando pensam outras sociedades, historicamente anteriores ao capitalismo, o fazem a partir da percepção produzida nesta sociedade sobre as demais. Assim, o capitalismo produz o cinema e o cinema reproduz o capitalismo e, dependendo do que se focaliza, irá se privilegiar o processo social de constituição do cinema e das produções cinematográficas ou a produção fílmica em si.
Um terceiro aspecto, derivado desse primeiro, é que tal reprodução pode ser naturalizante, tomando a sociedade capitalista como natural, ou crítica, na qual o capitalismo é apresentado sob forma questionadora e mostrando suas contradições e efeitos negativos sobre os seres humanos.
Nesse sentido, as relações entre as produções cinematográficas e a sociedade capitalista são complexas e realizaremos uma análise de alguns aspectos fundamentais dessa relação. Ou seja, analisaremos a produção capitalista do cinema, a reprodução fílmica do capitalismo sob a forma naturalizante e sob a forma crítica[2].
O Capital Cinematográfico, ou o a Produção Capitalista do Cinema.
A forma de abordar a questão do cinema enquanto um processo de produção cultural sempre remete aos termos “indústria cultural” e “indústria cinematográfica”. Estes termos, no entanto, são problemáticos, pois a idéia de indústria é relativamente “neutra”, focando mais a forma do que os elementos essenciais do processo de produção, que é capitalista. A origem dessa terminologia se encontra na sociologia norte-americana, através da ideologia da “sociedade industrial”[3]. O mais adequado é trabalhar com os conceitos de capital comunicacional (VIANA, 2008) e capital cinematográfico (VIANA, 2009a; VIANA, 2012). O capital cinematográfico é muito pouco compreendido, assim como a chamada “indústria cultural” em geral.
Existem duas concepções da indústria cultural que influenciam a concepção referente ao capital cinematográfico, chamado como “indústria cinematográfica”: a concepção apologética e a concepção apocalíptica. A concepção apologética é caracterizada por buscar exaltá-la e colocar que ela é expressão do público ou da realidade; a concepção apocalíptica se caracteriza por considerar a “indústria cultural” como um sistema de dominação ligado aos interesses capitalistas. Ambas as concepções são equivocadas, embora a última esteja mais próxima da realidade do que a primeira.
Sem dúvida, o capital comunicacional reproduz os valores e concepções dominantes e visa o lucro acima de qualquer outra coisa. No entanto, existem contradições no interior do capital comunicacional. Além dele não poder controlar tudo o tempo todo, ele precisa garantir o lucro. A concepção por detrás da produção cinematográfica, ou seja, a mensagem repassada pelo filme, tem uma importância menor que a necessidade do lucro para o capital cinematográfico. Por isso, o capital comunicacional produz e divulga filmes, obras de arte, livros, etc., que são contrários aos interesses, valores, concepções, representações do capitalismo. Por isso, existe a possibilidade de produção crítica no interior do capital comunicacional e do capital cinematográfico, mais especificamente.
Essa dinâmica atua no caso do capital cinematográfico sob forma específica, mas mantem as características gerais de todo o processo de produção capitalista no âmbito cultural. Se existe público para filmes críticos, então ela irá produzir tais filmes. Mas os filmes intencionalmente críticos são poucos, pois não existe público tão grande assim para tais produções. Além disso, os cineastas e agentes da produção cinematográfica podem fazer grandes obras utilizando metáforas, sátiras, etc., tornando o seu caráter crítico de difícil percepção para os dirigentes do capital cinematográfico, que observarão apenas o retorno financeiro da produção (ou, no caso de alguns, apenas seus aspectos técnicos ou a recepção do público). Por último, cabe destacar que muitos produzem filmes que podem ser interpretados como crítica do capitalismo sem que os seus produtores tivessem a menor intenção disto.
Assim, o capital cinematográfico não reproduz a dinâmica de qualquer produção capitalista e seu objetivo fundamental é o lucro. Isso gera uma contradição no seu interior, pois o capital cinematográfico, sendo um setor do capital e que compartilha, através dos seus capitalistas, os valores, interesses, representações, de uma determinada classe, a capitalista, e por isso a mensagem que gostaria de repassar seria a que é comum para a mentalidade burguesa. Contudo, ela visa o lucro e existe público que quer outras mensagens ou que quer variações ou pelo menos formas mais reflexivas de produção fílmica, tal como os setores intelectualizados da sociedade, gerando diversos públicos que são levados em consideração quando se produz um filme, mas suas contradições possibilitam esta produção crítica.
Isto é tão verdadeiro que até mesmo o capital cinematográfico é objeto de críticas por parte de filmes, inclusive hollywoodianos. Podemos citar, neste contexto, alguns filmes que realizam tal crítica do capital cinematográfico: Belíssima, Luchino Visconti (Itália, 1951); Desprezo, de Jean-Luc Godard (França, 1963)[4], O Dia do Gafanhoto, de John Schlesinger (EUA, 1975), O Mundo Proibido, Ralph Bakshi (EUA, 1992); Cecil Bem Demente; John Waters (EUA, 2000), e, principalmente, uma das grandes obras do cinema de todos os tempos: O Crepúsculo dos Deuses, Billy Wilder (EUA, 1950), a mais bem feita crítica a Hollywood.

A Reprodução Fílmica do Capitalismo, ou o Capitalismo na Tela
Existem várias formas de reprodução fílmica do capitalismo, isto é, a reprodução do capitalismo através do cinema. Podemos destacar, em primeiro lugar, o filme como reconstituição histórica inintencional, ou seja, o filme, mesmo que seus produtores não tenham a intenção, acaba reconstituindo a história de sua época, ou seja, de determinado momento da sociedade capitalista. Porém, esta reconstituição histórica inintencional é feita sob variadas perspectivas, dependendo da época, agentes de produção e outros elementos envolvidos em determinada produção cinematográfica. Outra forma é o filme que intencionalmente pretende revelar elementos da sociedade capitalista. Este tipo de filme é mais raro e é, geralmente, mais crítico e forte. Os seus agentes de produção tentam expressar as relações sociais na sociedade capitalista e ao fazê-lo, revelam seus problemas, contradições, limitações, consequências. Outra forma de mostrar o capitalismo através do cinema é por intermédio da própria história do cinema, isto é, através da sucessão de filmes que assumem determinadas características, valores, posições, que são típicos da época e são determinados pela lógica do desenvolvimento capitalista.
No entanto, uma coisa é a intencionalidade dos agentes de produção do cinema, outra coisa é a interpretação e significação que o público, os críticos e pesquisadores fazem[5]. Um filme produzido por quem não tem a menor intencionalidade crítica ou de abordar o capitalismo pode ser considerado, pelo intérprete, como uma metáfora do capitalismo. A proliferação de filmes de ficção científica que retratam um futuro sombrio, pode ser interpretada como apenas uma manifestação ficcional da realidade atual, isto é, do capitalismo. Isto decorre do fato de que o material (a trama), os elementos constitutivos, a tecnologia e seu processo de produção, e os agentes da produção (o diretor, os roteiristas e toda a equipe de produção) respiram o capitalismo e são produtos do capitalismo, e, assim, o que fazem em matéria de ficção é transportar a realidade da sociedade capitalista para uma outra realidade que é sua reprodução sob outra forma. Até nos filmes históricos, que buscam retratar outras épocas, a marca da sociedade capitalista está presente, embora as roupas estejam fora de moda, as questões de fundo são as da sociedade capitalista ou as da época interpretadas e apresentadas da perspectiva de alguém que vive no capitalismo e não consegue escapar das suas determinações.
Em síntese, existe uma diversidade de formas de reproduzir o capitalismo no cinema, seja focalizando o processo de trabalho, a vida dos trabalhadores, o desemprego, o mercado, a cidade, as relações amorosas, entre milhares de outros exemplos, seja focalizando as instituições, valores, efeitos psíquicos, da sociedade capitalista. É possível uma reprodução da totalidade ou dos aspectos fundamentais do capitalismo, como também de aspectos secundários ou aparentemente desligados de seus elementos mais determinantes.
O Capitalismo no Cinema sob a Forma Naturalizante
Dentre as várias formas que o capitalismo pode ser abordado cinema a mais comum é a descritiva, isto é, o tipo de produção que apenas reproduz a sociedade existente. Se tal descrição revela os seus problemas sociais, então assume um caráter que pode ser considerado com intenção crítica; caso contrário, se focaliza questões isoladas em si mesmas ou mesmo sem grande relevância social, ou apenas retrata a sociedade burguesa como algo natural, então assume a feição apologética com caráter naturalizante. O caráter descritivo significa que as posições daqueles que fazem a descrição não são explícitas, são ocultadas, de tal forma que aparenta uma neutralidade, o que, na verdade, não existe. Reproduzir a miséria dos trabalhadores em um filme é mera descrição e isto pode ser considerado sob diversas maneiras (mas aqui o problema é da interpretação e não da mensagem enviada), mas os produtores do filme tinham uma intencionalidade, que poderia ser mostrar a situação precária de vida, naturalizar a miséria, denunciar a superexploração, tratar de um fenômeno que atrairia a atenção do público, etc.
Em cada uma dessas opções, há uma perspectiva de classe e uma concepção do fenômeno, inclusive posição política, não necessariamente partidária (ligada a partido político, embora isso também ocorra com bastante frequência). Aqueles que querem denunciar a superexploração dos trabalhadores são os que estão preocupados com o “excesso” e querem que alguém, o governo, por exemplo, tome alguma providência. Já os que, de forma malthusiana, querem naturalizar, objetiva apenas dizer que a vida é assim mesmo e por isso é preciso ver esta realidade e deixá-la de lado, pois é preciso se preocupar com outras coisas ou apenas minimizar com filantropia e coisas semelhantes. Os que querem mostrar a situação precária de vida dos trabalhadores, apenas se contentam em dizer que as coisas estão erradas e que talvez seja preciso mais “humanismo”, mais “filantropia”, mais “políticas sociais”. Diferente é um filme que vai além da descrição, que mostra o questionamento, ou seja, um caráter crítico, e aponta para a necessidade e a possibilidade de transformação social. Desta forma, há a descrição pretensamente crítica e a apologética.
Podemos citar como exemplo do primeiro caso os filmes do chamado “neorrealismo italiano”, tal como os filmes de Luchino Visconti (Terra Treme, 1948; Rocco e seus Irmãos, 1960), Roberto Rossellini (Roma, Cidade Aberta, 1945), Vittorio de Sica (Ladrões de Bicicleta, 1948), Giuseppe de Santis (Arroz Amargo, 1948), entre outros. O neorrealismo foi aceito entusiasticamente por diversos setores da intelectualidade e da esquerda, mas posteriormente alguns começaram a perceber as limitações destes filmes, que não ultrapassam a realidade existente, não apontando para uma crítica mais efetiva e para a concepção da possibilidade de transformação social. A perspectiva de classe por detrás desta produção cinematográfica não era proletária e sim ligada às classes auxiliares da burguesia, unindo interesses de setores da produção cinematográfica com setores político-partidários, tal como o PCI – Partido Comunista Italiano.
O segundo tipo de filme é o mais comum e é constante nas grandes produções hollywoodianas, tal como os filmes de ação que pregam a hegemonia mundial norte-americana, bem com outros filmes que naturalizam as relações sociais existentes em nossa sociedade, tal como Love Story, Arthur Hiller (EUA, 1970) ou Wind – A Força dos Ventos, Carroll Ballard (EUA, 1992). O primeiro faz apologia do amor romântico e o torna o centro da vida humana; o segundo coloca a competição (uma das características fundamentais das relações sociais capitalistas e da mentalidade produzida por elas) como centro da história e a vitória como o objetivo fundamental a ser conquistado.
Porém, existem outras formas de reprodução fílmica do capitalismo. Há também os filmes que retratam momentos históricos específicos, tal como os filmes mudos de Serguei Eisenstein (O Encouraçado Potemkim, URSS, 1925; A Greve, URSS, 1924; Outubro, URSS, 1928) e vários outros que surgiram colocando situações sociais sob a forma de ficção ou utilizando acontecimentos históricos como base para a produção cinematográfica[6].
A Crítica do Capitalismo no Cinema
A forma mais importante, no entanto, é aquela reprodução fílmica do capitalismo que ultrapassa o nível da descrição e deixa explícito o posicionamento da equipe de produção ou daqueles que conseguem impor sua posição em determinada produção fílmica. É aquela que não é naturalizante e sim crítica. Sem dúvida, existem várias formas de crítica social no cinema, desde a totalizante até a fragmentária, que pode ser moralista ou pessimista (VIANA, 2013). Diversos filmes realizam uma crítica social moralista, tais como diversos filmes norte-americanos que questionam o trabalho em favor da família, como O Mentiroso, Tom Shadyac (EUA, 1997), uma de suas melhores expressões. O nosso foco aqui, no entanto, será apenas a crítica social totalizante, radical, inclusive sem abordar suas diferenças internas[7].
Este é o caso dos filmes produzidos na Alemanha, ainda durante o cinema mudo, principalmente os filmes expressionistas. Destacaríamos, deste período, entre outros, Metrópolis, Fritz Lang, (Alemanha, 1927); Tartufo, F. Murnau (Alemanha, 1926); O Gabinete do Doutor Galigari, Robert Wiene, (Alemanha, 1920), apesar deste último ter seu final e início deformado pelo diretor (VIANA, 2012). Também é o caso do realismo poético francês dos anos 30, tal como os filmes de René Clair (principalmente A Nós a Liberdade, França, 1931) e os de Jean Renoir (principalmente A Regra do Jogo, França, 1936). É claro que o momento histórico e o caráter incipiente do capital cinematográfico da época facilitavam a produção destas obras. Os filmes do cineasta surrealista Luis Buñuel também merecem ser citados neste contexto, tal como Anjo Exterminador (México, 1962), entre outros. Os filmes do Western Spaghetti, de Sérgio Leone, Sérgio Corbucci e Damiani Damiano são outros exemplos. Alguns focalizam a expansão capitalista nos Estados Unidos, mas a maioria toma a Revolução Mexicana e a luta dos trabalhadores contra a tirania dos governos mexicanos.
Há também os filmes de terror de George Romero, tal como A Máscara do Terror (França/Canadá/EUA, 2000) e seus filmes de zumbis e, inclusive, filmes dirigidos por outros cineastas que são hollywoodianos e desprezados por isso, mas focalizam aspectos da sociedade capitalista de forma crítica, tal como A Coisa, Larry Cohen (EUA, 1985) e Corrosão – Ameaça em seu Corpo, Phillip Brophy (Austrália, 1993), entre outros. Inclusive antigos filmes B, como A Pequena Loja dos Horrores, Roger Corman (EUA, 1960), bem como os filmes de ficção científica dos anos 50 sempre colocando os perigos da radioatividade e da ambição capitalista que gera o seu uso indiscriminado.
Assim, os filmes de ficção científica, muitas vezes desprezados, bem como os de terror, revelam aspectos essenciais da sociedade capitalista. Vários filmes poderiam ser citados neste sentido como Matrix, Andy e Larry Wachowski (EUA, 1999); Mad Max, George Miller (Austrália, 1979); Rebelião no Século 21, Charles Band (EUA, 1990). Entre os filmes de terror, além dos de George Romero, há os dirigidos por John Carpenter, tal como Eles Vivem (EUA, 1988); Christine – O Carro Assassino (EUA, 1983); Pesadelo Mortal (EUA, 2005), que avançam na crítica do capitalismo e alguns filmes fantásticos, como Momo e o Senhor do Tempo, Johannes Schaaf (Alemanha, 1986), O Fabuloso Mundo de Billy Liar, John Schlesinger (Inglaterra, 1963); Donnie Darko, Richard Kelly (EUA, 2001), poderiam ser citados como exemplos de produções cinematográficas críticas[8]. Isto quer dizer, em poucas palavras, que não são apenas os filmes “realistas” ou os dramas, que reproduzem a sociedade capitalista ou seus aspectos, ou mesmo que realizam a sua crítica, pois a ficção científica, o terror, o fantástico, o faroeste[9], também o fazem.
Sem dúvida, muitos outros poderiam ser citados, tal como os filmes políticos de Costa-Gravas e de Elia Kazan. Até alguns filmes infantis poderiam ser citados, como Formiguinha Z, Eric Darnell e Tim Johnson (EUA, 1998), História Sem Fim, Wolfgang Petersen (Alemanha, 1988). Também os filmes que abordam instituições e relações sociais específicas do capitalismo, como A Sociedade dos Poetas Mortos, Peter Weir, (EUA, 1989) e Um Estranho no Ninho, Milos Forman (EUA, 1975) no qual se aborda a educação autoritária e o hospício, respectivamente, contribuem com uma concepção do caráter da sociedade moderna. Uma série de filmes recentes aborda questões atuais do capitalismo: Clube da Luta, David Fincher (EUA, 1999), O Show de Truman – O Show da Vida, Peter Weir (EUA, 1998); V de Vingança, James McTeigue (EUA/Inglaterra/Alemanha, 2005), entre outros.
Obviamente que alguns filmes se destacam por reconstituir o capitalismo de forma mais crítica e ampla, tal como é o caso de Momo e o Senhor do Tempo; A Nós a Liberdade; Quando Explode a Vingança, Sérgio Leone (Itália, 1972), entre outros. O filme Momo e o Senhor do Tempo mostra não só como o capitalismo extrai o tempo dos indivíduos até a exaustão, como também como subverte os valores, abole a comunicação entre os seres humanos e corrompe os indivíduos. Já o filme A Nós a Liberdade mostra o caráter destrutivo do trabalho alienado, da prisão e da escola, além também de opor valores antagônicos e outros aspectos da sociedade capitalista.
Em síntese, existe uma diversidade de filmes sobre o capitalismo. Seja focalizando o processo de trabalho, a vida dos trabalhadores, o desemprego, o trabalho alienado, seja focalizando as instituições, valores, efeitos psíquicos, da sociedade capitalista. Há diversos filmes sobre acontecimentos históricos, sobre juventude, sobre meios oligopolistas de comunicação, sobre guerra, sobre destruição psíquica dos indivíduos, sobre meio ambiente, entre inúmeras outras questões sociais importantes em nossa época.
No entanto, apesar disso, a formação cultural e a não-reflexão faz com que muitos filmes não sejam percebidos como realmente são, ou não percebendo o que ele mostra. Esse já é o problema da recepção dos filmes. Muitos filmes críticos são vistos como se não fossem nada mais do que mera ficção e isso é mais forte no caso de filmes sem intencionalidade crítica que mostram aspectos da sociedade capitalista que nem sequer são percebidos, o que remete para o problema da forma de assistência dos filmes, pois isto, em parte, é derivado da forma de assistência contemplativa, mecânica ou formalista que grande parte dos assistentes realiza das obras cinematográficas (VIANA, 2009b). Tal percepção é reforçada pelo preconceito e o elitismo cultural de muitos analistas e críticos do cinema.
Considerações Finais
Essas reflexões sobre a relação entre cinema e capitalismo nos permitem a chegar a algumas conclusões. A mais importante delas é perceber que essa relação está em todos os filmes, sob diversas formas, que revelam distintas possibilidades de assistência e análise. A sociedade capitalista interfere em todos os seus produtos culturais, seja no seu processo de produção (desde a formação cultural dos indivíduos que realizam tal produção até o processo de transformação da cultura em mercadoria, o que pressupõe financiamento, distribuição, venda, etc.) seja no seu conteúdo, que reproduz, desde a forma naturalizante já que é o ar que se respira até a forma crítica.
O amplo universo de material fílmico existente traz uma multiplicidade de possibilidades de análise da sociedade capitalista, desde que se supere as formas prejudiciais de assistência, para o caso dos que não são pesquisadores do cinema, através de uma assistência crítica (VIANA, 2009b) ou que se supere as análises limitadas que são produzidas por muitos pesquisadores embasados em concepções ideológicas ou no mero descritivismo pobre, que é dominante (VIANA, 2009a; VIANA, 2012). Ou seja, é preciso, no caso da assistência cotidiana, de uma assistência crítica e, no caso de pesquisadores, possuir recursos teórico-metodológicos adequados para realizar a análise fílmica. O capitalismo está no filme, enxerguem ou não aqueles que o assistem.




* Professor da UFG – Universidade Federal de Goiás e Doutor em Sociologia pela UnB – Universidade de Brasília. Email: nildoviana@ymail.com
[1] Destacaríamos a obra inaugural da reflexão sobre indústria cultural, de Adorno e Horkheimer (1986) e alguns comentários contemporâneos: Santos (2008); Souza (2008); Viana (2008). Uma das melhores análises, no nível teórico, sobre o capital cinematográfico, é a de Prokop (1986).
[2] A bibliografia que aborda tais questões são problemáticas devido aos procedimentos teórico-metodológicos adotados. As abordagens que partem da análise da ideologia nos filmes é problemática, não só por usar o termo ideologia de forma equivocada e em contradição com sua base teórica, no caso o marxismo, como é o caso de Lebel (), como também por seus recursos metodológicos e teóricos serem precários. Os filmes não podem ser ideológicos, no sentido marxista do termo, e sim ideologêmico, pois não manifestam as ideologias existentes em toda sua complexidade ou em sua totalidade e sim fragmentos delas, ideologemas, tal como no filme Teoria Mortal (), que reproduz o ideologema da luta pela sobrevivência (VIANA, 2013).
[3] A ideologia da sociedade industrial foi constituída por diversos sociólogos norte-americanos e acabou tendo alguns reprodutores na Europa Ocidental. Um dos autores que se destaca na produção dessa ideologia é Dahrendorf (1977). Os representantes da Escola de Frankfurt acabaram, apesar de suas divergências com tais sociólogos, reproduzindo parcialmente sua linguagem, tal como Herbert Marcuse.
[4] Os filmes Belíssima e Desprezo são europeus e estão fora do circuito hollywoodiano, mas sua produção foi realizado através do capital cinematográfico italiano e francês, respectivamente, e embora seja um capital diferenciado, por não ter o mesmo poderio que o norte-americano, como também ter outro público principal, mas não mantém os mesmos interesses que o grande capital cinematográfico mundial
[5] Sobre isso, consulte-se Viana (2012).
[6] Existem também os documentários que ou focalizam aspectos do capitalismo ou apresentam uma concepção mais abrangente. O documentário Surplus, Erik Gandini (Suécia, 2003), por exemplo, coloca em questão o consumismo, apesar de partir de posições questionáveis (o primitivismo), assim como The Corporation, Mark Achbar (Canadá, 2003), que mostra a importância e força das grandes corporações.  Porém, não consideramos que o documentário seja um filme, pois este é uma obra de arte, logo, uma “expressão figurativa da realidade” (VIANA, 2007) e por isso, tal como colocamos em outro lugar, não se caracteriza como filme (VIANA, 2012).
[7] No interior de uma crítica totalizante do capitalismo, podemos dividir entre a crítica radical e sua inspiração pode ser o marxismo, o anarquismo, etc., e a crítica utópico-abstrata, inspirada num humanismo abstrato que para da ideia da bondade natural do ser humano (VIANA, 2013).
[8] Este é o caso de vários filmes que são extremamente criticados, tal como Mulher-Gato, Jean Christophe Comar (EUA, 2004), por vários motivos, tal como sua pobreza formal (que, realmente, neste aspecto deixou muito a desejar), etc., mas revelam aspectos importantes da sociedade capitalista, tal como o capital farmacêutico e sua busca do lucro a qualquer custo (VIANA, 2009b; MARQUES, 2009).
[9] Aqui citamos apenas os filmes de faroeste do cinema italiano, mas há filmes como os de John Ford, tal como No Tempo das Diligências (EUA, 1939); Vinhas da Ira (EUA, 1940), Como Era Verde Meu Vale (1941), que fazem parte da tendência de reprodução e crítica intencional do capitalismo.


Referências

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DAHRENDORF, Ralph. Sociologia e sociedade industrial. In FORACCHI, Marialice e MARTINS, José de Souza (orgs.). Sociologia e sociedade. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1977.
LEBEL, Jean-Paul. Cinema e Ideologia. Lisboa: Estampa, 1975.
MARCUSE, Herbert. Ideologia da Sociedade Industrial. 4ª edição, Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
MARQUES, Edmilson. Para Interpretar as Produções Cinematográficas. In: VIANA, Nildo. Cinema e Mensagem. Análise e Assimilação. Porto Alegre: Asterisco, 2012.
PROKOP, D. O Papel da Sociologia do Filme no Monopólio Internacional. In: FILHO, Ciro M. (org.). Prokop. São Paulo: Ática, 1986.
SANTOS, Jean Isídio. Cinema e Indústria Cultural. In: Viana, Nildo (org.). Indústria Cultural e Cultura Mercantil. Rio de Janeiro: Corifeu, 2008.
SOUZA, Erisvaldo. A Renovação da Teoria da Indústria Cultural em Prokop. In: Viana, Nildo (org.). Indústria Cultural e Cultura Mercantil. Rio de Janeiro: Corifeu, 2008.
VIANA, Nildo. A Concepção Materialista da História do Cinema. Porto Alegre: Asterisco, 2009a.
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VIANA, Nildo. Como Assistir um Filme? Rio de Janeiro: Corifeu, 2009b.
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VIANA, Nildo. Quadrinhos e Crítica Social. O Universo Ficcional de Ferdinando. Rio de Janeiro: Azougue, 2013.
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Publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. Capitalismo e Cinema. ALCEU - Revista de Comunicação, Cultura e Política. PUC-RJ, v. 14 - n.27 - p. 66 a 76 - jul./dez. 2013.

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