Michael Curtiz: Aventura e Reflexão
Nildo Viana
O cineasta Michael Curtiz dirigiu diversos filmes considerados do gênero aventura. Este gênero é, de toda produção cinematográfica, um dos que tem menos potencial crítico e reflexivo. Isto se deve a própria lógica do filme de aventura, marcada por uma história cujo herói deve realizar um objetivo e esta é a meta a ser realizada através de viagens, combates e heroísmo. No entanto, existem algumas exceções. Michael Curtiz foi o responsável pela produção de vários filmes de aventura, mas contribuiu no sentido de colocar reflexão na sua produção fílmica.
Michael Curtiz, húngaro que produziu seus primeiros filmes na Europa e depois, em 1926, foi para os Estados Unidos, dirigiu vários filmes de aventura. Este é o caso do seu filme Lobo do Mar (EUA, 1941) baseada no romance de Jack London, que apresenta vários elementos para uma reflexão psicanalítica do Capitão Larsen. A produção de 1941 é bem superior a qualquer uma outra dentre as várias versões cinematográficas desta obra literária, tal como A Lenda do Lobo do Mar (Joseph Green, EUA, 2005). Em O Lobo do Mar, o Capitão Larsen exerce um poder tirânico e cruel e o filme mostra como sua vida miserável é a chave para entender sua personalidade e atitudes.
Outro exemplo é o filme Robin Hood (EUA, 1938), que manifesta um certo inconformismo, pela própria natureza irreverente e ilegal do herói, embora a versão não seguiu a radicalidade da origem social do destemido ladrão dos ricos e benfeitor dos pobres, mas mesmo assim apresenta alguns elementos que vão além da mera ação aventuresca.
No caso do filme Santa Fé (EUA, 1941, também traduzido como Estrada de Santa Fé), também considerado um faroeste, temos a questão da guerra entre abolicionistas e escravagistas, colocando os métodos de alguns abolicionistas – considerados equivocados, tal como o uso da violência – e apresentando a forma correta do agir político do exército, mas servindo a causa errada. Esta dicotomia entre meios e fins marca o filme e traz a reflexão sobre ética à tona. O seu último filme foi um faroeste, Os Comancheiros (EUA, 1961).
Há também o Capitão Blood (EUA, 1935), temos uma aventura de pirata que mostra o despotismo dos colonizadores e o processo de produção da pirataria pelos detentores do poder. O filme se tornou um dos mais famosos filmes de piratas e ganhou um remake em 1950, com direção de Gordon Douglas (As Aventuras do Capitão Blood, EUA, 1950). Outros exemplos poderiam ser citados, como O Gavião do Mar, que também é um filme de pirata e apresenta elementos interessantes, e mais uma dezena de filmes. Em Anjos de Cara Suja (EUA, 1939), o gangster deixa de ser um vilão cruel e se torna um ser humano que carrega uma aparência negativa. O seu grande sucesso, no entanto, foi Casablanca (EUA, 1942), que não é um filme de aventura.
É claro que Curtiz fez filmes de diversos outros gêneros, e cabe destaque para São Francisco de Assis (EUA, 1961) e Crimes do Museu (EUA, 1933), um filme sobre religião e outro de suspense. Porém, nos filmes de aventura é mais difícil apresentar reflexão e este é um mérito de Curtiz. Também é certo que sua autonomia como diretor não era tão grande e, por isso, não compartilhamos com qualquer tese de ele tenha sido um “autor”, embora, sem dúvida, os dos mais importantes “co-autores” dos filmes citados. Alguns de seus filmes assumem um caráter nitidamente axiológico, tal como o musical Canção da Vitória (EUA, 1943), que é uma apologia aos EUA durante o período da guerra, apesar de ter elementos que podem ser interpretados como críticos e irônicos. Mas alguns outros filmes ficaram próximos a este. De qualquer forma, apesar de sua produção em série exigida pelo sistema de estúdio, isto não retira de Curtiz o mérito de ter dirigido vários filmes de aventura colocando a possibilidade do público refletir sobre seu conteúdo, o que nem sempre ocorre.
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Nildo Viana é Sociólogo, Professor da UEG - Universidade Estadual de Goiás e autor dos livros Introdução à Sociologia (Belo Horizonte, Autêntica, 2006); Heróis e Super-Heróis no Mundo dos Quadrinhos (Rio de Janeiro, Achiamé, 2005); Estado, Democracia e Cidadania (Rio de Janeiro, Achiamé, 2003); organzador de A Questão da Mulher (Rio de Janeiro, Ciência Moderna, 2006), entre outros.
Revista Crítica do Cinema
Ano 01, num. 01, Dezembro de 2006
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