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Informe e Crítica

10 de abr. de 2009

CINEMA E INTERPRETAÇÃO


"Não só reconhecemos a possibilidade de uma interpretação correta como da que busca fornecer um significado adjudicado ao filme, o que é possível a partir da percepção de seu processo social de produção e de que ele reproduz a realidade".





Por Nildo Viana

O problema das interpretações é um dos mais polêmicos tanto na esfera do pensamento científico e filosófico quanto no campo da arte. As diversas interpretações de um filme acabam colocando a mesma questão para o cinema. Deixando de lado a questão da interpretação no campo do pensamento científico e filosófico, iremos nos limitar a trabalhar esta questão na esfera artística e do cinema.

E. D. Hirsch Jr. forneceu uma solução para esta questão que consideramos a mais proveitosa. Em primeiro lugar, Hirsch refutou o que denominou “relativismo dogmático” e defendeu a possibilidade de uma interpretação correta da obra de arte. Esta interpretação correta ocorreria via descoberta do sentido original do autor. Assim, o objetivo do intérprete é descobrir o significado original do autor, e, para isso, é necessário um trabalho erudito que deve analisar o gênero, o repertório lingüístico do autor, o contexto histórico da produção, etc. A significação original e intencional do autor se diferencia dos diversos significados que os intérpretes deduzem da obra. O foco da análise de Hirsch é a literatura, mas julgamos ser possível partir desta contribuição para discutirmos a questão da interpretação do filme.
Um filme é uma produção coletiva, na qual não se pode atribuir a autoria a apenas um indivíduo, como pretendiam os adeptos da “política dos autores” (Truffaut, Chabrond, Godard, etc.), e sim a diversos autores. É claro que mesmo havendo diversos autores, e estes nem sempre com os mesmos valores, posições políticas, idéias, etc., eles devem possuir algo em comum, o que forma uma equipe de produção. Também podemos dizer que todo filme, mesmo o mais banal e comercial, apresenta uma mensagem, independentemente desta ser, também, banal ou superficial. A elaboração da mensagem é realizada pelo criador do roteiro e pelas alterações que ocorrem durante o processo de produção (diretor, produtor, etc.). Assim, o significado original é de mais difícil percepção, já que podem co-existir distintos significados.
Porém, é possível, embora seja mais difícil, descobrir a significação original. No entanto, independentemente disto, é preciso entender que existe a possibilidade de existência de diversos significados adjudicados (atribuídos) pelos diversos intérpretes. O problema reside em confundir significado adjudicado e significado original. O significado adjudicado pode ser extremamente útil para a análise e interpretação dos filmes, devido às dificuldades já aludidas. O filme realiza uma reprodução da realidade e, por isso, independentemente da intenção original da equipe de produção, ele tem como referencial esta realidade que é reproduzida e, sendo assim, um significado adjudicado explícito (quando fica claro a intenção do intérprete de ir além do significado original) pode tornar-se um útil instrumento de análise.
A reprodução fílmica da realidade é realizada de forma muitas vezes inintencional e pode ser recuperada por uma significação adjudicada explícita do intérprete. Um exemplo pode esclarecer isto. O diretor Peter Weir é famoso pelo filme A Sociedade dos Poetas Mortos. Este filme deixa explícito uma crítica ao processo repressivo no sistema educacional tradicional. Neste caso, o significado original do filme possui uma percepção mais fácil. No entanto, outro filme do mesmo diretor, O Show de Truman, O Show da Vida, apresenta uma dificuldade muito maior de interpretação. A princípio trata-se de uma crítica ao reality show, tal como coloca a maior parte das interpretações. Porém, pode ser interpretado também como uma crítica à sociedade moderna, na qual os indivíduos são marionetes dos sistemas de manipulação. Porém, esta última interpretação seria difícil sem toda uma análise da produção do filme (em seu favor teria o diretor e seu filme anterior, mas contra teria nenhuma passagem do filme que coloque isto explícito), mas seria fácil enquanto significado adjudicado, isto é, uma interpretação sobre como o filme realiza uma reprodução da realidade, independentemente da intencionalidade da equipe de produção. Desta forma, não só reconhecemos a possibilidade de uma interpretação correta, desde que fundada em um extenso trabalho de pesquisa, como da interpretação que busca fornecer um significado adjudicado ao filme, o que é possível a partir da percepção de seu processo social de produção e de que ele reproduz a realidade.

Nildo Viana é sociologo.
Texto publicado originalmente no Jornal Opção.
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