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Informe e Crítica

12 de set. de 2010

Michael Curtiz: Aventura e Reflexão

Michael Curtiz: Aventura e Reflexão



Nildo Viana



O cineasta Michael Curtiz dirigiu diversos filmes considerados do gênero aventura. Este gênero é, de toda produção cinematográfica, um dos que tem menos potencial crítico e reflexivo. Isto se deve a própria lógica do filme de aventura, marcada por uma história cujo herói deve realizar um objetivo e esta é a meta a ser realizada através de viagens, combates e heroísmo. No entanto, existem algumas exceções. Michael Curtiz foi o responsável pela produção de vários filmes de aventura, mas contribuiu no sentido de colocar reflexão na sua produção fílmica.

Michael Curtiz, húngaro que produziu seus primeiros filmes na Europa e depois, em 1926, foi para os Estados Unidos, dirigiu vários filmes de aventura. Este é o caso do seu filme Lobo do Mar (EUA, 1941) baseada no romance de Jack London, que apresenta vários elementos para uma reflexão psicanalítica do Capitão Larsen. A produção de 1941 é bem superior a qualquer uma outra dentre as várias versões cinematográficas desta obra literária, tal como A Lenda do Lobo do Mar (Joseph Green, EUA, 2005). Em O Lobo do Mar, o Capitão Larsen exerce um poder tirânico e cruel e o filme mostra como sua vida miserável é a chave para entender sua personalidade e atitudes.

Outro exemplo é o filme Robin Hood (EUA, 1938), que manifesta um certo inconformismo, pela própria natureza irreverente e ilegal do herói, embora a versão não seguiu a radicalidade da origem social do destemido ladrão dos ricos e benfeitor dos pobres, mas mesmo assim apresenta alguns elementos que vão além da mera ação aventuresca.

No caso do filme Santa Fé (EUA, 1941, também traduzido como Estrada de Santa Fé), também considerado um faroeste, temos a questão da guerra entre abolicionistas e escravagistas, colocando os métodos de alguns abolicionistas – considerados equivocados, tal como o uso da violência – e apresentando a forma correta do agir político do exército, mas servindo a causa errada. Esta dicotomia entre meios e fins marca o filme e traz a reflexão sobre ética à tona. O seu último filme foi um faroeste, Os Comancheiros (EUA, 1961).

Há também o Capitão Blood (EUA, 1935), temos uma aventura de pirata que mostra o despotismo dos colonizadores e o processo de produção da pirataria pelos detentores do poder. O filme se tornou um dos mais famosos filmes de piratas e ganhou um remake em 1950, com direção de Gordon Douglas (As Aventuras do Capitão Blood, EUA, 1950). Outros exemplos poderiam ser citados, como O Gavião do Mar, que também é um filme de pirata e apresenta elementos interessantes, e mais uma dezena de filmes. Em Anjos de Cara Suja (EUA, 1939), o gangster deixa de ser um vilão cruel e se torna um ser humano que carrega uma aparência negativa. O seu grande sucesso, no entanto, foi Casablanca (EUA, 1942), que não é um filme de aventura.

É claro que Curtiz fez filmes de diversos outros gêneros, e cabe destaque para São Francisco de Assis (EUA, 1961) e Crimes do Museu (EUA, 1933), um filme sobre religião e outro de suspense. Porém, nos filmes de aventura é mais difícil apresentar reflexão e este é um mérito de Curtiz. Também é certo que sua autonomia como diretor não era tão grande e, por isso, não compartilhamos com qualquer tese de ele tenha sido um “autor”, embora, sem dúvida, os dos mais importantes “co-autores” dos filmes citados. Alguns de seus filmes assumem um caráter nitidamente axiológico, tal como o musical Canção da Vitória (EUA, 1943), que é uma apologia aos EUA durante o período da guerra, apesar de ter elementos que podem ser interpretados como críticos e irônicos. Mas alguns outros filmes ficaram próximos a este. De qualquer forma, apesar de sua produção em série exigida pelo sistema de estúdio, isto não retira de Curtiz o mérito de ter dirigido vários filmes de aventura colocando a possibilidade do público refletir sobre seu conteúdo, o que nem sempre ocorre.

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Nildo Viana é Sociólogo, Professor da UEG - Universidade Estadual de Goiás e autor dos livros Introdução à Sociologia (Belo Horizonte, Autêntica, 2006); Heróis e Super-Heróis no Mundo dos Quadrinhos (Rio de Janeiro, Achiamé, 2005); Estado, Democracia e Cidadania (Rio de Janeiro, Achiamé, 2003); organzador de A Questão da Mulher (Rio de Janeiro, Ciência Moderna, 2006), entre outros.



Revista Crítica do Cinema

Ano 01, num. 01, Dezembro de 2006

4 de set. de 2010

Cinema Black ou Baxploitation

Cinema Black ou Baxploitation


Nildo Viana


O documentário Baadasssss Cinema (Isaac Julien, EUA, 2002), retrata o fenômeno do cinema "negro" (black ao invés de noir, os filmes de gangsters em vigência nos anos 1930 nos EUA), também chamado baxploitation, que surgiu nos anos 1970. Para quem tem acesso ao TCM, canal pago, às sextas do mês de setembro poderá ver alguns dos filmes deste período. Filmes como Shaft (1971); O Chefão de Nova York (Black Caesar, 1973), entre outros que serão exibidos [1].

O significado do que se convencionou chamar baxploitation é confuso. Não é possível qualifícá-lo como um "gênero" e nem mesmo como um "quase gênero". A não ser que se descarte grande parte dos filmes da época. Por exemplo, o foco em sexo e ação (e violência) é o forte de alguns, mas o "terror" (mas pela má qualidade se poderia falar em "humor") fazia parte do período. Assim, se dividir em tendências distintas, é possível ver alguma unidade (além dos personagens, atores, e, em muitos casos, os diretores, serem negros, o que é uma constatação superficial e que não tem utilidade analítica para o conteúdo dos filmes). Caso contrário, dizer que Shaft e Black Caesar poderia ser considerado do mesmo "filão" que Coffy, Black Gestapo, ou, pior ainda, com Blacula (1972), Blakenstein, Dr. Black e Mr. Hide, entre outros (abaixo trailers de alguns destes filmes).









O fenômeno, na verdade, se caracteriza pelo uso de personagens, atores e cultura negra para produzir filmes, alguns puramente comerciais. A origem de tudo, como se pode verificar pelo documentário, ocorre com o filme Sweet Sweetback's Badaaass Song, dirigido por Melvin Van Peebles (EUA, 1971), pai de Mario Van Peebles, diretor de Os Panteras Negras (EUA, 1995) e A Vingança de Jessie Lee (Eua 1993), filmes mais politizados que abordam a questão racial. 



O filho seguiu a trilha do pai e o filme de Melvin, segundo o próprio diretor em entrevista apresentada no documentário, mostra que havia uma intenção política em Sweetback, apesar do seu apelo sexual, que não era gratuito, mas cujo aparecimento parece, segundo se deduz da entrevista, do seu caráter atrativo. Esse filme independente e sem grandes recursos foi um sucesso de bilheteria junto à população negra e por isso acabou despertando o interesse do capital cinematográfico. Daí se iniciou o que alguns ativistas negros chamaram "baxploitation", exploração dos negros. Um famoso ator negro dá entrevista no documentário dizendo que não sabia o que estes ativistas chamavam de "exploração do negro", pois diretores e atores recebiam seus salários, todos estavam recebendo, onde estaria a exploração. O ator desavisado deveria ter entendido que se trata de exploração da imagem do negro e não exploração "econômica".



E nesse sentido os ativistas tinham total razão. O capital cinematográfico explorou a imagem e o público negro e não só fez isto como foi um dos agentes da contra-revolução cultural preventiva iniciada nos anos 1970, no período de crise do regime de acumulação intensivo-extensivo, e abrindo caminho para a hegemonia pós-vanguardista na arte e pós-estruturalista nas ciências humanas [2]. A estratégia desta contrarrevolução cultural era a de resgatar temas das lutas sociais do final dos anos 1960 (e a luta dos negros nos EUA, que assumiu várias formas e teve como uma de suas expressões mais radicais a luta dos Panteras Negras) e início dos anos 1970 e despolitizá-las e retirá-las da totalidade (ou do "contexto político", como diz um entrevistado no documentário).

Porém, seria necessário uma análise mais totalizante de tal produção cinematográfica, principalmente vendo as diferenças entre os diversos filmes e tipos de filmes que são associados ao "cinema black", pois existem brechas no capital cinematográfico e suas contradições podem ter permitido produções fílmicas relevantes ao lado das irrelevantes, bem como os filmes inspiradores e as cópias comerciais. Além disso, o seu significado, com a consideração das devidas diferenças, para a luta dos negros norte-americanos (e fora dos EUA), bem como seus efeitos culturais e psíquicos. Porém, no mesmo momento em que surgiu o super-herói Pantera Negra nos quadrinhos, tudo isto mostra, mais uma vez, que, ao contrário da ideologia dominante e dos modismos voluntaristas e individualistas, nada foge da história e das relações sociais concretas.

[1] - Para ver a programação completa, clique aqui.
[2] - Sobre isso: VIANA, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo, Ideías e Letras, 2009.